Imagem do projeto, com fundo amarelo claro, intercalado por linhas em azul marinho e o título ao centro " I Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital" e os logotipos do InternetLab e da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) no canto direito da imagem.

Vídeos do I Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital

Notícias Privacidade e Vigilância 15.08.2017 por Pedro Lima e Jacqueline Abreu

Aconteceu, entre os dias 29 e 31 de maio 2017, o I Congresso Internacional Direitos Fundamentais e Processo Penal na Era Digital, realizado pelo InternetLab, com apoio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Diversos temas na intersecção entre processo penal e tecnologia foram discutidos, abordando a garantia do efetivo processo e a tutela dos direitos constitucionais à privacidade e ao sigilo das comunicações em face das novas tecnologias. Foram três palestras solenes de convidados internacionais e nacionais e três sessões de discussão com representantes de diferentes setores.

DIA 1 – 29/05/2017

Responsáveis pela abertura do congresso, Dennys Antonialli, diretor do InternetLab, e Marta Saad, professora da FDUSP, abordaram a transdisciplinaridade e a importância do tema num contexto em que a tecnologia cada vez mais passa a cumprir um papel central na vida das pessoas no Brasil e no mundo.

“O propósito deste congresso é discutir garantias em um momento em que provas são geradas e coletadas o tempo todo num contexto digital”, disse Antonialli.

O dia de abertura também foi marcado pelo lançamento da segunda edição do relatório “Vigilância sobre as Comunicações no Brasil 2017“, cujo objetivo é oferecer um panorama sobre o quadro normativo referente às capacidades e prerrogativas de vigilância das comunicações por autoridades estatais no Brasil, bem como analisar casos, notícias, projetos de lei e decisões judiciais que ilustram as principais questões controversas do tema. O relatório ainda oferece recomendações com base nos Princípios Internacionais sobre a Aplicação de Direitos Humanos na Vigilância das Comunicações.

Após a palestra de abertura, o professor aposentado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da FDUSP, Dr. Tércio Sampaio Ferraz Junior, e o professor livre-docente Juliano Maranhão (FDUSP) palestraram sobre o tema “Sigilo de dados, o direito à privacidade e os limites do Poder do Estado: 25 anos depois”. O marco temporal é referência a artigo do professor Tércio que abordou o sigilo de dados e influenciou a posição do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.

Além de revisitar as posições que defendeu no texto e contextualizá-las, Sampaio abordou a questão da virtualidade da informação no contexto atual, onde a informação deixa de ser uma “coisa” — ou, em termos jurídicos, uma res — sem perder por completo sua materialidade, ao ponto que vira uma “não coisa”. Ela não pertence ao mundo com o qual estamos acostumados a lidar, ao passo que o modo de perceber as coisas diante da virtualidade foi totalmente transformado. O professor questiona: como fazê-lo, então, do ponto de vista jurídico? Essa provocação e a interpretação de Ferraz Jr. são comentada e contrapostas pelo professor Juliano Maranhão.

DIA 2 – 30/05/2017

O segundo dia do congresso iniciou-se com a sessão temática Desafios da coleta de evidências digitais e a cooperação internacional para acesso a dados”, moderada por Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, com a participação de Carolina Yumi de Souza, Advogada-Geral da União, e de Jacqueline Abreu, coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do InternetLab. A sessão apresentou e discutiu o panorama do funcionamento dos acordos de cooperação internacional no caso de pedidos de autoridades para acesso à dados de usuários, bem como as principais questões jurídicas envolvidas em processos judiciais que tratam sobre identificação de usuários, quebras de sigilo de dados e remoção de conteúdo, especialmente aquelas relativas à jurisdição dos tribunais brasileiros. As palestrantes também comentam os obstáculos para conseguir o cumprimento de ordens judiciais por parte de empresas estrangeiras, uma vez que estão sediadas em países com legislações e requisitos específicos, que podem facilitar, limitar ou até impedir os pedidos brasileiros. Veja abaixo a íntegra da sessão realizada na manhã do dia 30:

A segunda sessão do dia 30 abordou a temática da “Busca e apreensão de dispositivos eletrônicos”, e contou com a presença de Marcos Zilli, juiz da 15ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor da FDUSP, Stênio Santos Sousa, Delegado da Polícia Federal e autor de diversos livros sobre o busca e apreensão, e Carlos Roberto Isa, Defensor Público do Estado de São Paulo e diretor do IBCCrim. Os convidados apresentaram um panorama dos entendimentos diversos da jurisprudência sobre o tema das “buscas virtuais” feitas após prisões em flagrante e das diferenças e semelhanças da busca e apreensão de objetos comuns e de dados digitais em face do conceito de inviolabilidade domiciliar.

Na noite do dia 30, foram realizadas duas palestras solenes. Começamos com a palestra O debate americano sobre vigilância e criptografia” de Riana Pfefferkorn, Fellow do Center for Internet and Society da Stanford Law School, que forneceu um histórico de como a legislação e a jurisprudência norte-americana vêm tratando o tema, abordando o que foram e hoje são as “Guerras Criptográficas”, as discussões sobre a expansão do Communications Assistance for Law Enforcement Act (CALEA, a lei de grampos norte-americana) e a controversa utilização de um dispositivo legal preenchedor de lacunas — o All Writs Act — para fundamentar pedidos de quebra de sigilo por parte das autoridades, como aconteceu no caso Apple vs. FBI.

Na visão de Riana, trata-se de um debate que é fundamentalmente sobre poder: as autoridades de investigação sentem desconforto com o crescente acesso popular a tecnologias — como a criptografia — que empoderam pessoas para exercerem seu direito à privacidade de forma realmente segura. E como as autoridades lidam com este desconforto? Pressionando parlamentares e tribunais para que consigam fundamentos legais e jurisprudenciais que possibilitem a elas obter meios de burlar a proteção que a criptografia oferece aos dados armazenados e transmitidos, por vezes utilizando práticas temerárias. Riana também comentou os episódios de bloqueio do WhatsApp no Brasil e a discussão sobre criptografia no STF, conclamando o tribunal a não interferir nessa tecnologia. Confira:

Nota: para ativar as legendas em português, clique no botão indicado abaixo:

Imagem do rodapé do YouTube, mostrando os botões, da esquerda para a direita: voltar, play/pausar, avançar, volume, minutos do vídeo, legendas, configurações, modo teatro e modo tela cheia. Há uma seta vermelha indicando para o botão de "legendas".

Para encerrar a noite do dia 30, nosso segundo convidado estrangeiro, Greg Nojeim, advogado e diretor do Center for Democracy and Technology, discutiu o tema Reforma do MLAT entre privacidade e eficiência: os dilemas do acesso transnacional a dados de usuários”. Nojeim destaca que hoje, com a revolução tecnológica pela qual passamos, nossos dados ficam armazenados fora do alcance físico e jurisdicional das autoridades em servidores de terceiros, em vez de gavetas em nossas casas, que são mais fáceis de serem acessadas. Isso tem desafiado autoridades que continuam precisando de informações para solucionar crimes.

Nojeim falou sobre o funcionamento burocrático dos pedidos de cooperação internacional recebidos pelos Estados Unidos, que obrigam que qualquer pedido de cooperação de autoridade estrangeira para quebra de sigilo de dados passe pelo Departamento de Justiça para que, após avaliação de cumprimento de requisitos da legislação americana, possa ser cumprido pelas empresas sediadas naquele país — processo que demora, em média, 10 meses.

Em sua análise, ele destaca ainda uma questão bastante polêmica: pelo direito estadunidense, se há um pedido de acesso a dados de tráfego de dados — como quem enviou um e-mail para quem –, e ele vem do Brasil ou de qualquer outro país, um provedor americano pode revelar essa informação voluntariamente, segundo as políticas da empresa; não há outros requisitos impostos por lei. Mas, se esse pedido vem do governo estadunidense, empresas não podem entregar esse tipo de dados à sua discrição. Devem exigir necessariamente uma ordem judicial. Na prática, isso permite que as empresas sejam mais “flexíveis” em outros países do mundo, deixando de ser tão rigorosas — e protetivas em termos de privacidade — quanto o devem ser nos Estados Unidos. Veja abaixo:

DIA 3 – 31/05/2017

O último painel do congresso foi uma mesa redonda que contou com diversos especialistas de diferentes setores para debater o tema Acesso a comunicações eletrônicas e criptografia: garantias, prerrogativas e devido processo legal. Dentre os presentes, estavam Gustavo Badaró (FDUSP); Diego Aranha (Unicamp); Carina Quito (Sica & Quito Advogados); Paulo Marco Ferreira Lima (MPSP); Elias Abdala Neto (Microsoft) e Dennys Antonialli (InternetLab).

O aspecto processual penal do tema foi apresentado por Gustavo Badaró, que destacou a importância de que a prova, no âmbito processual, cumpra seu papel epistêmico, o de apresentar elementos que possam melhor aproximar a hipótese formulada daquilo que seria a verdade. Nesse sentido, destacou a importância de delimitar as interceptações de comunicações ao escopo necessário para a produção de provas, evitando a coleta de dados em excesso, e assim, diminuindo os riscos de violar garantias constitucionais relacionadas ao sigilo das comunicações, privacidade e intimidade. Em seguida, Diego Aranha, professor de ciência da computação da Unicamp, trouxe uma perspectiva mais técnica sobre encriptação, abordando o desafio que é implementar algoritmos matemáticos baseados em problemas complexos de nossa realidade em softwares que rodam em plataformas imperfeitas e cheias de vulnerabilidades, além de depender de um sistema jurídico que não seja hostil à essa tecnologia.

O Procurador de Justiça Paulo Marco Ferreira Lima, especialista em crimes digitais pela Universidade de Roma e chefe do Comitê de Crimes Cibernéticos do MPSP, destacou que mesmo no estado de São Paulo, que possui mais de 44 milhões de habitantes, só existe uma única delegacia para crimes cibernéticos, onde trabalham apenas dois profissionais técnicos no assunto.

Os aspectos práticos das quebras de sigilo de dados e comunicações eletrônicas foram abordados pela advogada Carina Quito, do Sica & Quito Advogados, ao trazer a perspectiva de quem defende empresas que recebem ordens de quebra de sigilo, cuja legalidade muitas vezes pode ser questionada. A ausência de uma legislação específica sobre o acesso à informações armazenadas, no entendimento da advogada, possibilita ao Judiciário o acesso à uma gama muito grande de informações, já que, diferentemente das comunicações telefônicas — estas marcadas por um aspecto de efemeridade –, as comunicações eletrônicas, hoje predominantes na sociedade, geram registros por anos a fio.

O representante da equipe jurídica da Microsoft, Elias Abdala Neto, por sua vez, tratou do conceito de computação em nuvem, cuja premissa fundamental é, uma vez que um dispositivo está online na maior parte do tempo, ele pode utilizar o poder computacional de uma máquina especializada naquela tarefa específica, em vez de depender dos recursos de seu próprio dispositivo. Elias ainda destacou a importância de proteger dados pessoais.

A lista completa de vídeos também pode ser acessada no canal do InternetLab no YouTube.

Equipe responsável pelo conteúdo: Pedro Lima (pedro.lima@internetlab.org.br) e Jacqueline Abreu (jacqueline@internetlab.org.br).

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