Arte de mapa da América do Sul em fundo laranja, com o texto: "missing bridges"

Novo relatório do InternetLab mapeia panorama jurídico de uso de dados pessoais em campanhas políticas na América Latina

O documento aponta dificuldades na aplicação de leis de proteção de dados em contextos eleitorais em países analisados.

Notícias Informação e Política 19.02.2021 por Heloisa Massaro e Artur Pericles Lima Monteiro

Denúncias de manipulação de eleitores e uso abusivo de dados pessoais têm sido cada vez mais recorrentes em processos eleitorais, especialmente após os relatos de envolvimento da empresa Cambridge Analytica em campanhas eleitorais, para além do caso estadunidense de 2016. Na América Latina, conforme aumentam as taxas de acesso à internet, campanhas políticas têm ampliado o uso de dados pessoais.

No Brasil, durante as eleições de 2018, houve ampla cobertura da mídia a respeito da suposta contratação de serviços de envio de mensagem em massa por WhatsApp, que levantou questionamentos sobre a origem dos dados. Na Colômbia, o caso do aplicativo Kontacto ganhou notoriedade pela coleta e tratamento irregular de dados pessoais de eleitores na cidade de Pereira. Funcionários municipais foram flagrados inserindo dados no aplicativo para beneficiar a campanha eleitoral à prefeitura do candidato da situação. Casos similares de tratamento irregular de dados pessoais também foram registrados no Chile, México e em outros países da região.

O novo relatório do InternetLab apresenta os resultados de um estudo sobre a regulamentação do uso de dados pessoais em campanhas eleitorais na América Latina. “Missing bridges: a comparative analysis of legal frameworks governing personal data in political campaigning in Latin America” (em português,As pontes em falta: uma análise comparada da regulação sobre o uso de dados pessoais em campanhas políticas na América Latina) é resultado de um projeto de pesquisa em parceria com CYRILLA. Adotando a metodologia CYRILLA para mapear quadros jurídico-normativos, analisamos o regime eleitoral e de proteção de dados de seis países latino-americanos: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Paraguai. Além disso, entrevistamos pesquisadores de organizações de direitos digitais em cada um dos países para nos ajudar a compreender as principais práticas e lacunas normativas.

Na ilustração, há um mapa da América Latina representado em faixas finas na horizontal. Descreve-se também algumas características de certos países. Em relação ao México, a população é de 120 milhões, o acesso à internet é de 70.1%, as legislações de proteção de dados são a Lei Geral sobre Proteção de Dados Pessoais e a Lei Federal de Proteção de Dados Detidos por Partes Privadas, a legislação eleitoral é a Lei Geral de Instituições e Procedimentos Eleitorais, não há provisão de lei específica sobre proteção de dados em eleições, a autoridade de proteção de dados é independente e os partidos políticos têm acesso ao cadastro eleitoral. Quanto ao Brasil, a população indicada é de 212 milhões, a população com acesso à internet é de 74%, a legislação sobre proteção de dados é a Lei nº 13.709/2018, a legislação eleitoral é Lei nº 4737/1965 (Código Eleitoral) e a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), a normativa sobre proteção de dados em eleições é a Resolução nº 23.610/2019, a autoridade de proteção de dados é vinculada ao Executivo e o cadastro eleitoral não é público. A Colômbia tem uma população de 50 milhões de pessoas, 43.4% da população com acesso à internet, a legislação de proteção de dados é a Lei nº 1.581/2012, a legislação eleitoral é a Lei 2.241/86 (Código Eleitoral) e a Lei nº 130/94 (Estatuto Básico dos partidos e movimentos políticos), a legislação sobre proteção de dados em eleições é o Act 330 da Superintendência de Industria y Comercio, a autoridade de proteção de dados é ligada ao Executivo, e os partidos têm acesso ao Cadastro Eleitoral. O Chile tem uma população de 19 milhões, 87.4% da população tem acesso à internet,  a legislação de proteção de dados é a Lei nº 19.628/99, entre a legislação eleitoral, estão a Lei nº 18.556/1986, Lei nº 20.938/2016, Lei nº 19.884/2003, Lei nº 20.840/2015, Lei nº 20.900/2016, DFL 2/2017 - Lei nº 18.700, não há provisão específica sobre proteção de dados e eleições, não há autoridade de proteção de dados, e o cadastro eleitoral é público. Em relação à Argentina, sua população tem 44 milhões de pessoas, 79.9% tem acesso à internet, a legislação de proteção de dados é a Lei nº 25.326/2000, a legislação eleitoral é o Decreto nº 2135 (Código Eleitoral), a normativa sobre proteção de dados e eleições é a Resolução nº 86/2019 da Agencia de Acceso a la Información Pública, a autoridade de proteção de dados é independente, e o cadastro eleitoral não é público. No Paraguai, os dados mostram que a população é de 7 milhões, 53.7% das pessoas têm acesso à internet, não há lei de proteção de dados, a legislação eleitoral se resume à Lei nº 834/96 (Código Eleitoral), não há provisão específica sobre proteção de dados e eleições, não há autoridade de proteção de dados, e partidos políticos têm acesso ao cadastro eleitoral.

O relatório aponta que a garantia na proteção de dados pessoais no contexto eleitoral enfrenta três desafios principais:

  1. uma falta de coordenação por parte das autoridades eleitorais e de proteção de dados, que resulta em um vácuo de atuação;
  2. preocupações com a independência das autoridades, que carecem de autonomia do executivo ou da política partidária; e
  3. uma considerável falta de informação sobre como dados pessoais são usados em campanhas eleitorais e qual o papel dos dados em campanhas digitais. Requisitos de transparência, quando presentes, são limitados a despesas e registro de contas oficiais. 

Diante de campanhas cada vez mais digitalizadas, a proteção de dados se mostra fundamental para garantir que o processo eleitoral seja justo. Ao mesmo tempo, o emprego dessas ferramentas pode representar riscos tanto em termos de manipulação eleitoral, quanto em termos de violação da privacidade, além de ameaçar a integridade do processo eleitoral. A regulamentação das campanhas baseadas em dados deve ser pensada como a construção de pontes, uma questão que diz respeito tanto ao direito à privacidade quanto à garantia de eleições abertas e justas.

Acesse aqui o relatório (disponível em inglês).

Arte de mapa da América do Sul em fundo laranja, com o texto: "missing bridges"

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