PrintScreen da reportagem do Estadão. Na parte superior, há uma ilustração de mãos pretas e um fundo branco. Na parte inferior da imagem, trechos da reportagem.

Ódio na Internet – entrevista com Natália Neris

Notícias Desigualdades e Identidades 25.05.2015 por mrnvlnt

Na semana passada, o jornalista Murilo Roncolato entrevistou a pesquisadora do InternetLab Natália Neris, para uma matéria sobre ódio na Internet, que foi publicada no Estadão impresso no dia 18 de maio.

Publicamos, aqui, a entrevista completa dada pela pesquisadora do projeto Gênero e Tecnologia para a matéria.

Murilo: Hoje, o Tumblr começou uma campanha contra bullying na internet enquanto o Reddit atualizou suas ‘práticas’ (políticas de uso) para prevenir ataques e assédio dentro da plataforma. No fim do ano passado, o CEO do Twitter fez um pronunciamento dizendo que a empresa havia falhado em prevenir abusos na rede e estava perdendo a batalha contra os trolls. O que na sua avaliação fez com que empresas de internet se atentassem para isso agora – e por que agora? Aliás, considera uma resposta tardia?

Natália: A atenção ao cyberbullying e à violência na Internet por parte das empresas de Internet tem a ver com a crescente publicização de dados sobre tais problemas bem como a mobilização de grupos da sociedade civil (principalmente os que atuam na área da promoção de Direitos Humanos de mulheres, grupos étnico-raciais, minorias sexuais). De fato, uma estratégia e uma política clara no combate à misoginia e ao preconceito/discriminação, de uma forma geral, tem sido uma das principais demandas dirigidas às empresas de Internet por tais grupos e suas respostas não tem sido consideradas completamente satisfatórias. Além disso, podemos citar a ampliação do acesso à Internet no Brasil e no mundo, que vem acompanhada de um aumento do número de usuários dessas plataformas e, consequentemente, do número de casos problemáticos. Por fim, isso também pode estar relacionado à consolidação dessas plataformas como atores globais, expostos a legislações diferentes e, na maioria das vezes, muito mais repressivas em relação ao discurso de ódio do que a americana, onde nasceram e estão baseadas. Pode ser uma tentativa de adaptação a essas diferentes realidades culturais e ordens jurídicas.

Murilo: A disseminação de mensagens de ódio (e aí acredito que estamos falando de propaganda neonazista, intolerancia religiosa, racismo, e qualquer outro tipo de preconceito e discriminação) acontece de forma mais evidente na internet ou a rede apenas espelha o que já está presente proporcionalmente fora dela?

Natália: A sociedade brasileira é machista, racista, homofóbica e transfóbica e a Internet acaba por espelhar nossas relações sociais que são permeadas por conflitos, por violência. O que talvez ocorra no espaço virtual é que, dada sua configuração, a sensação do anonimato e talvez da não responsabilização faça com algumas pessoas se manifestem de forma mais agressiva e de forma mais frequente ou que não filtrem tanto o que vão dizer, por exemplo, no calor de uma discussão. Além disso, o fato de essas manifestações ficarem registradas potencializa a sua visibilidade, até mesmo porque elas podem ser facilmente apreciadas e compartilhadas por outras pessoas. Para algumas, o fato de determinadas manifestações ou conteúdos causarem muita repercussão, ainda que negativa, representam alguma forma de prestígio.

PrintScreen da reportagem do Estadão. Na parte superior, há uma ilustração de mãos  pretas e um fundo branco. Na parte inferior da imagem, trechos da reportagem.
Trecho da matéria no Estadão

Murilo: Do que você tem conhecimento, é possível apontar, sobre a maioria dos casos, os principais objetivos dessas práticas? É simplesmente se expressar, atacar um alvo denegrindo-o, é de fato reunir forças para uma ação prática, enfim. E quem são os maiores alvos?

Natália: Creio que os maiores alvos da violência têm sido mulheres, negros, a população LGBT e pessoas com deficiência. Os ataques são promovidos por grupos organizados (neonazistas, masculinistas em blogs, fóruns específicos e em páginas de redes sociais), que por vezes inclusive organizam ações fora da rede – descobrem endereços, passam a ameaçar as vítimas, enviam objetos constrangedores como forma de coação -, mas acontece também das agressões partirem de indivíduos isolados. O que me parece é que há grupos interessados em fazer com que seu discurso eugenista, racista, homofóbico, transfóbico e capacitista seja difundido e reproduzido, e há pessoas que simplesmente agridem por assim pensarem/atuarem em outros espaços no cotidiano, seja por falta de pensamento crítico, seja por buscarem algum tipo de reconhecimento entre semelhantes.  

Murilo: Quais são historicamente as melhores formas de coibir esse tipo de comportamento na rede?

Natália: A coibição de condutas discriminatórias na Internet passa inevitavelmente pela percepção de que o posicionamento neste espaço é passível de responsabilização. A complexidade da configuração do espaço virtual exige, todavia, reflexão acerca da melhor forma de realizar diagnósticos, investigações e punições à agressores, sem com isso afetar a liberdade de expressão e a pluralidade de discursos que não caiam nessa categoria. Isso vem sendo amplamente debatido por diferentes atores/atrizes atuantes na área.

No Brasil, vítimas de crimes cibernéticos contam com canais que viabilizam o encaminhamento de denúncias via organizações da sociedade civil (como a ONG Safernet), ou órgãos como a Policia Federal e o Ministério Público Federal. O Governo Federal também lançou recentemente o Pacto Nacional de Enfrentamento às Violações de Direitos Humanos na Internet – o Humaniza Redes – com objetivo de encaminhar ao Judiciário denúncias dos cidadãos e cidadãs, além de promover campanhas de prevenção de crimes e fornecer orientações para uma navegação segura. Além disso, nota-se por parte de movimentos sociais a visibilização de casos emblemáticos e até mesmo a criação de páginas com objetivo de expor agressores. Um exemplo de iniciativa como essa é a veiculação de posts e tweets racistas e sexistas direcionados a trabalhadoras domésticas na conta “A minha empregada” no Twitter e Facebook. Tais iniciativas por si só demonstram que os caminhos para o enfrentamento do problema devem contar com diferentes setores da sociedade.

Murilo: Sinta-se livre para comentar algo que eu não tenha perguntado.

Natália: O discurso de ódio na Internet precisa ser encarado como uma violação de Direitos Humanos, mas também como uma ameaça à construção de uma esfera pública virtual democrática, plural. A violência pode afastar indivíduos, fazer com que estes temam por expressar suas opiniões e pontos de vista, e, no limite, pode calar suas vozes – vozes estas muitas vezes subalternizadas e subrepresentadas em muitos outros espaços sociais, como é o caso das mulheres, negros, indígenas, LGBTs e pessoas com deficiência. A violência online não deve, portanto, ser tomada como menos nociva, como uma “questão menor” na agenda de tomadores de decisão sobre Internet (estatais e privados), bem como pela sociedade civil.

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