O riso na rede: novos desafios à liberdade de expressão

Opinião 03.11.2015 por Maike Wile dos Santos

Por Dennys Antonialli e Maike Wile dos Santos*

Durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT, realizada em São Paulo, em junho deste ano, causou polêmica a encenação da crucificação da transexual Viviany Beleboni, em referência ao sofrimento da comunidade LGBT gerado pelo preconceito. Na época, grupos e entidades religiosas criticaram o ato por considerá-lo ofensivo à sua crença.

O caso chamou a atenção do deputado Fábio Silva (PMDB), do Rio de Janeiro, que elaborou o Projeto de Lei nº 540/2015 para proibir, dentro do estado, a satirização, ridicularização ou qualquer outra forma de se menosprezar dogmas e crenças de qualquer religião durante manifestações públicas, sociais, culturais e/ou de gênero.  Isso incluiria desde encenações teatrais (ou não) que fizessem alusão a religiões até a distribuição de imagens e charges que ridicularizassem, satirizassem ou menosprezassem a crença alheia.

Com multas que poderiam chegar a até R$ 270 mil, o projeto impõe sérias limitações à liberdade de expressão.  Por mais que seja um tema sensível, a religião não deve estar blindada da crítica e da livre manifestação do pensamento. Recentemente, o cartunista Vitor de Freitas foi constrangido pela Igreja Universal a retirar dos seus canais de divulgação uma charge que tinha feito satirizando a campanha “Gladiadores do altar”. Projetos como esse poderiam inibir esse tipo de crítica.

Em votação no último dia 19, o projeto foi arquivado. Além do Poder Legislativo, questões como essa também têm chegado, com cada vez mais frequência, ao Poder Judiciário. Recente decisão da 3ª Vara Criminal da Barra Funda não acolheu a interpelação judicial do Instituto Luiz Inácio Lula da Silva pedindo explicações ao apresentador de TV Danilo Gentili por ter insinuado, em perfil no Twitter, que o ataque a bomba à sede do instituto teria sido “forjado”. A sentença veio no último dia 18, e entre outras considerações, apontou que Gentili é um comediante, e que “ninguém, obviamente, iria levar tal informação a sério imaginando que ele tem informantes e está fazendo uma revelação importante”. Destacou ainda que a única retaliação que pode ser feita à piada é dizer que ela não teve graça alguma, pois garantir a livre expressão apenas para conteúdos que sejam agradáveis ou pouco provocadores não é liberdade de expressão, mas autoritarismo.

Proteger a liberdade para se fazer humor é, antes de tudo, valorizar o seu poder como instrumento de expressão democrática.
Proteger a liberdade para se fazer humor é, antes de tudo, valorizar o seu poder como instrumento de expressão democrática.

Da mesma maneira, o juiz da 7ª vara cível de Brasília rejeitou o pedido de danos morais e de proibição de novas postagens envolvendo o nome do deputado e pastor Marco Feliciano (PSC) e o portal de humor “Sensacionalista”. A insatisfação do deputado se deu em razão de o portal publicar que, no dia em que os Estados Unidos aprovaram o casamento gay, “Marco Feliciano cancelou a remessa de xampu comprado em Miami”.

Em sua decisão, o juiz afirmou que o site está vinculado à imprensa humorística, e retrata notícias baseadas em situações inusitadas e com caráter de comédia. Os leitores sabem que suas matérias não retratam a realidade, e desta forma, a retirada do conteúdo violaria o direito à liberdade de expressão e de livre imprensa.

Cada vez mais, os limites da liberdade de expressão são colocados em xeque. Não raro, o direito à imagem e à honra são invocados para obstar a crítica e a manifestação de opiniões controversas e que veem no humor a forma como podem ser vocalizadas. Proteger a liberdade para se fazer humor é, antes de tudo, valorizar o seu poder como instrumento de expressão democrática.

* Dennys Antonialli é doutorando em Direito Constitucional na Faculdade de Direito da USP e Diretor Presidente no InternetLab.

Maike Wile dos Santos é graduando em Direito na Faculdade de Direito da USP e estagiário de pesquisa no InternetLab.

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