Nova regra de neutralidade de rede nos EUA: o que ela diz?
Por Pedro Henrique Soares Ramos, pesquisador associado do InternetLab
“Ontem à tarde, a minha timeline do Twitter e do Facebook começou a bombar com o assunto da neutralidade da rede. Meu e-mail e meu RSS também. Todo mundo comentava da reunião de uma tal de Federal Communications Comission dos EUA, que estabeleceu novas regras sobre uma tal de neutralidade da rede. Não sei o que fazer e estou me sentindo excluído, pois meus amigos parecem conhecer muito do assunto, e eu não. O que eu faço, Pedro?”
J.P., 21 anos, paulistano
Caro amigo anônimo,
Seus problemas acabaram. Preparamos 5 respostas sobre o que aconteceu no dia 25 de fevereiro de 2015, na reunião da Federal Communications Comission (FCC) dos EUA, autoridade reguladora das comunicações nesse país, e que votou a favor de novas regras de neutralidade da rede.
Afinal, o que realmente aconteceu ontem na reunião da FCC dos EUA?
A FCC aprovou novas regras de neutralidade da rede no país. A neutralidade da rede é um princípio de arquitetura de rede que endereça aos provedores de acesso o dever de tratar os pacotes de dados que trafegam em suas redes de forma isonômica, não os discriminando em razão de seu conteúdo ou origem. O objetivo desse princípio é preservar o caráter aberto da rede, reduzindo barreiras de entradas para a inovação no setor e garantindo a liberdade de expressão na rede.
Opositores deste princípio argumentam que regular a neutralidade da rede pode trazer consequências adversas para o setor de telecomunicação. Por isso mesmo, a votação foi apertada (3-2), e algumas de suas disposições específicas devem ser analisadas pelo Judiciário em breve.
Mas a neutralidade da rede já não estava vigente nos EUA?
Em 2010, a FCC já tinha aprovado regras genéricas de neutralidade da rede, a Open Internet Order. Todavia, em janeiro 2014, as regras relativas a bloqueio e discriminação razoável previstas na Open Internet Order foram anuladas pela Corte de Apelação do Distrito de Columbia, a qual entendeu que a FCC não possuía jurisdição para regular a neutralidade da rede. Essa discussão foi resolvida na decisão do último dia 25: a FCC reclassificou o serviço de acesso à internet como “serviço de telecomunicação”, o que dá autoridade para que essa agência possa emitir regras sobre o uso da internet no país.
E o que exatamente as novas regras dizem?
> Provedores de acesso (que são as empresas de telecomunicações estadunidenses, como Verizon e a Time Warner Cable) não poderão bloquear o acesso a aplicações, conteúdo e serviços, salvo se esses forem ilegais ou prejudiciais à segurança da rede;
> Provedores de acesso não vão poder discriminar ou degradar o tráfego de dados com base em critérios específicos como o tipo de conteúdo, aplicação ou serviço;
> Provedores de acesso não podem dar prioridade para o tráfego de determinada aplicação em detrimento de outra, mesmo caso uma aplicação pague por essa prioridade – ou seja, ficam proibidas as chamadas “fast lanes”;
> As regras acima estão sujeitas a um critério de razoabilidade no gerenciamento de tráfego, o que permite a provedores de acesso gerenciarem suas redes de forma eficiente, mas sem jamais discriminar conteúdos e aplicações específicas com base em critérios que não sejam estritamente técnicos;
> Diferente da Open Internet Order de 2010, essas regras aplicam-se tanto à banda larga fixa quanto à banda larga móvel;
> A FCC vai passar também a analisar acordos de interconexão e a razoabilidade dessas transações, evitando casos como a disputa entre Netflix e Comcast no início de 2014
Um resumo das regras pode ser acessado aqui.
Quando teremos acesso ao conteúdo completo da nova regra?
A FCC tem um processo diferente do Brasil: as regras genéricas são aprovadas em uma primeira reunião, mas o conteúdo completo só é divulgado depois. Isso é alvo de bastante crítica por lá. Em algumas semanas, a FCC deverá divulgar o relatório completo (que pode conter mais de 300 páginas), e assim que tivermos acesso, vamos compartilhar nossas visões também.
E o que isso tem a ver com o Brasil?
Muitos usuários brasileiros usam serviços que dependem de servidores e interconexões realizadas no território estadunidense, assim como há diversas aplicações brasileiras que são bastante acessadas por lá. A regra de neutralidade da rede aprovada garante que esses usuários e empresas tenham seu tráfego tratado de forma isonômica, sem distinção de acordo com o tipo de conteúdo ou serviço.
Além disso, a regulamentação da neutralidade da rede está em período de consulta pública pelo Ministério da Justiça. A posição da FCC pode ser um importante precedente para balizar o debate e trazer novas ideias para que possam ser incorporadas pelo regulador brasileiro.