Black Mirror: “The Waldo Moment” (S02 E03), mídias sociais e atores (a)políticos

Opinião 30.11.2017 por Thiago Oliva

Respeitável público, o circo apolítico chegou!

Captura de tela do episódio “The Waldo Moment

Por Isabella de Castro Satiro Aragão e Walter Farneze

O episódio “The Waldo Moment” retrata, de maneira perturbadora e distópica, a influência midiática na política e, mais do que isso, no processo de campanha política e de competição eleitoral, por meio da tecnologia e seus mecanismos. No episódio, a partir da criação de um personagem fictício que não teria compromisso político algum, deflagra-se uma verdadeira crise da política, tanto quando os eleitores que já não têm as esperanças no sistema apelam para figuras caricatas (numa forma de “protesto” camuflado), quanto a partir do momento em que o personagem fictício, que expõe sua falta de ideologia política através de um exagerado espetáculo polarizado, obtém o controle de diversos meios indiretos para a manipulação da população.

Nesse cenário, o urso azul Waldo pode ser interpretado a partir de duas diferentes visões. Primeiramente, pode ser considerado como uma “válvula de escape” utilizada pela população que, insatisfeita com a situação política tradicional, procura uma resposta no não-convencional. O sentimento “apolítico” que motiva essa decisão é, na verdade, “apartidário” – ou seja, trata-se de uma convicção de pessoas que possuem repulsa ao modo de “fazer política” dos que possuem o poder, gerando desinteresse na forma como agem os partidos políticos e desesperança no controle estatal; porém, mantendo seus interesses nos resultados da política. Assim, o personagem Waldo seria a melhor forma de romper com a mesma política de sempre.

Entretanto, há outro ponto de vista que reputa o protagonista como uma forma de controle de massas, por meio da manipulação do debate público e da condução da opinião popular utilizando-se de canais diretos e indiretos/intermediários, tais como, respectivamente, a representação política de Waldo feita através de sua imagem transmitida ao vivo em um caminhão pelas ruas e a massiva divulgação de aplicativos em celulares que fortaleceram a propaganda política do personagem, por exemplo.

Como evidência de que a manipulação se dá pelos meios de acesso ao ideário dos eleitores, temos que o Urso Azul é um niilista, não defendendo nenhuma ideologia, nenhuma pauta política que não a apolítica (que em si já é política) e, tendo em vista o resultado – que ainda que exagerado possui seu grau de veracidade – a apolítica e a trollagem se mostram como a mais danosa de todas as ideologias.

Esse discurso desconectado de qualquer verdadeira política pública e voltado à mídia pode ser visto, por exemplo, tanto nas propagandas eleitorais feitas pelos próprios candidatos quanto nas propagandas disfarçadas em redes sociais e realizadas por aparelhos midiáticos que realmente fazem com que o eleitorado repense as bases em que está vivendo, acreditando serem estas insuficientes e, portanto, passíveis de mudanças, conforme as vazias promessas feitas por meio destes canais.

Outro exemplo é a notável facilidade com a qual os candidatos alteram seus pontos de vista e ideologia para que estas sejam compatíveis com a maioria do eleitorado, o que vemos na icônica foto em que o então candidato prefeito Haddad realiza acordo com Paulo Maluf (por maior parcela de tempo de propaganda) ou na rápida mudança de João Dória quanto à alteração da tarifa de ônibus após sua vitória nas eleições.

Qualquer que seja a visão a ser considerada, ambas chegam a uma mesma conclusão: a opinião política é influenciada pelos sentimentos e emoções dos eleitores que, inconformados com as tradicionais estruturas políticas e cada vez mais desacostumados com o processo de debate político-democrático, passam a facilitar, principalmente através da utilização da imediatidade e superficialidade provocadas pelas redes sociais, a ocorrência de polarizações. Estas, por sua vez, ocorrem quando membros de um grupo passam a adotar posições parecidas entre si, considerando inimigos todos aqueles com posições diferentes de modo a promover o antagonismo em detrimento do verdadeiro conflito de ideias. Não se reconhece a legitimidade de visões plurais.

Assim, uma polarização pode acontecer, por exemplo, quando grupos políticos impõem aos eleitores sob sua influência o sentimento de serem “únicos donos da verdade”, desqualificando quaisquer outros pensamentos dissidentes através da estigmatização dos adversários. Isso pode ter graves consequências no resultado de uma eleição ou de uma disputa política, pois, quando o objetivo é mobilizar emoções para atingir objetivos políticos, toca-se em pontos sensíveis da insatisfação popular, criando-se uma dificuldade de comunicação entre grupos antagônicos para avançar no debate político e na elaboração de novas propostas. Essa é a estratégia utilizada por Waldo em Black Mirror, mas também por tantos outros ursos políticos como Jair Bolsonaro e Kim Kataguiri, sendo as redes sociais um meio importante para a propagação de uma impulsiva polarização que foca apenas num curto prazo, impedindo a reflexão de temas caros à sociedade de maneira mais abrangente.

Além disso, para que os partidos políticos “conquistem” apoio popular, é necessário que abranjam vários tipos de pautas, que agradem a todos os eleitores possíveis. Os partidos e os políticos se mantêm firmes em cada vez menos temas, pois com a mutabilidade de ideias têm maior chance de adesão à chapa e mais chances de votos, os quais possibilitarão um maior impacto e controle social. Para tanto, os canais diretos e indiretos são essenciais para tal dispersão de ideais – recebendo a mídia e a internet grande atenção nesse aspecto, já que responsáveis por aproximar a política do entretenimento.

Os políticos de hoje trocam de pautas com a facilidade de se trocar um par de sapatos. Defendem opiniões vazias e instigam o ódio por meio de insultos e ataques pessoais aos seus adversários, o que leva à apatia e indecisão do eleitorado. Com candidatos cada vez menos diferentes entre si, a população se vê sem alternativa. As linhas que distinguem os candidatos e suas ideias se mostram cada vez mais borradas, enquanto que o processo eleitoral é permeado por incitações de medo e ódio; é por isso que temos eleições cada vez mais apertadas, o que está ocorrendo em diversas democracias ocidentais.

O episódio “The Waldo Moment” previu como o descrédito em políticos e a cultura da celebridade criariam a tempestade antidemocrática pela qual passamos, provocando o domínio do populismo digital e a manipulação da opinião política pública por meio de provocadores (trolls). Neste sentido, por exemplo, quando Donald Trump estava prestes a se tornar Presidente dos Estados Unidos da América, a própria conta oficial de Twitter do seriado alertou que o que ocorria não era um episódio, não era marketing, mas sim realidade. Ainda que existam diferenças entre Waldo e Trump, a série de eventos que levaram à eleição de Trump e a nova ascensão do populismo e do pensamento apolítico em outros países tornam o episódio um dos mais próximos da nossa realidade. E não apenas no país norteamericano, mas também na Europa é possível notar uma crescente polarização política – como a vivida pela Inglaterra durante o “Brexit” e pela França através de uma forte tendência de apoio, pela população, à extrema direita –, a qual demonstra a instabilidade e perigos causados pela manipulação política e trollagem à democracia internacional.

Numa espécie de retorno à “política do pão e circo”, o debate político não é mais realizado por especialistas com argumentação e estudo acadêmico, mas sim por populistas, que se utilizam de declarações exageradas para criar um espetáculo de grande impacto, porém sem conteúdo prático. Nesse cenário, podemos concluir no sentido da segunda hipótese, de que as massas servem de manobra política para o controle social. E essa situação está consolidando-se por meio do uso de uma gama de instrumentos tecnológicos cada vez maior para fazer valer certas visões de mundo a partir da alienação da população do debate político, seja através do espetáculo de um urso azul tragicômico, seja através de ocas promessas revolucionárias.

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