Black Mirror: “Nosedive” (S03 E01), mídias sociais, reputação e acesso

Opinião 28.11.2017 por Thiago Oliva

Medindo o valor da reputação: postagens e curtidas nas redes sociais

Captura de tela do episódio “Nosedive

Por Bianca Berbel Fernandes e Dandara Corrêa Freitas de Medeiros

Você compartilha diariamente hábitos, pensamentos e situações cotidianas em redes sociais? Mais tarde, no mesmo dia, você verifica quantas curtidas e reações recebeu? Checa quais foram os comentários? Se as pessoas concordam com você? Se elas te apoiam? Se elas aprovam as suas atitudes? Você repensa e edita suas postagens antes de enviá-las pensando que se o filtro for outro você terá mais curtidas? Você se esforça para mostrar que a sua vida também é linda como nas imagens que os outros compartilham? Como você reage às curtidas, respostas e comentários que obtém? E à falta deles?

No primeiro episódio da terceira temporada da série “Black Mirror”, intitulado “Nosedive” (em português “Queda Livre”), as respostas e motivações para as questões acima são levadas ao extremo em um mundo que, apesar de visualmente fabricado até nos tons pasteis que o constroem, parte de uma premissa plausível e atual para nossa sociedade: o uso das redes sociais como forma de obter aprovação externa e que [só] através dela algumas pessoas consideram-se felizes com a própria realidade. No episódio, cada atitude naquele mundo é avaliada diariamente pelas outras pessoas, por meio da atribuição de notas para tudo que os indivíduos fazem e publicam. Essa avaliação lhes confere uma nota em tempo real que, em conjunto com avaliações anteriores, determina se a pessoa tem acesso a filas preferenciais, a melhores assentos na compra de passagens áreas, a melhores opções de aluguel de carro, a melhores taxas de financiamento imobiliário, entre outras situações e, no limite, se o indivíduo pode acessar determinados locais, ou seja, cruzar certas fronteiras entre o que é considerado o estilo de vida ideal e o resto do mundo.

A realidade exposta nesse episódio não está tão distante do mundo no qual vivemos atualmente. O espaço real e o virtual, hoje, não caminham apenas em paralelo e a uma distância constante; pelo contrário, em muitos momentos interagem, encontram-se e cruzam-se para compor a auto-identificação e auto-imagem dos que estão inseridos no contexto de sua dualidade. Assim como no episódio da série, a reputação de cada um também é pautada pela forma como nos relacionamos online, e como exploramos essa projeção virtual criada por nós e alimentada pelos outros. Porém, antes de tratar de quaisquer distorções e diferenças entre o mundo real e o virtual, focaremos na persona virtual e sua construção.

A construção da reputação online começa com a criação de perfil em alguma rede social de interesse do indivíduo, na qual geralmente existe uma dinâmica muito própria de compartilhamentos e avaliações. Quando comparados, percebe-se que os tipos ideais de conteúdos a serem postados no Facebook, no Instagram e no Twitter diferem muito entre si. Após a criação do perfil, há um período de descoberta da própria rede social e suas possibilidades, inclusive do que as pessoas desejam fazer da rede, seja produzindo conteúdo e/ou observando e interagindo com conteúdos produzidos por outros.

A partir desse momento, inicia-se a construção da reputação online, com base em diversas ferramentas disponíveis que permitem potencializar o número de seguidores e a quantidade de curtidas. Nesse cenário, surgiram, natural ou artificialmente, pessoas que se dedicam especificamente a influenciar a sociedade, considerando o alcance que a Internet e as redes sociais permitem para autodivulgação, publicidade, e capilarização da informação. Para esses que se dedicam mais intensamente a tal atividade, números têm muito significado. Muito mais do que serem considerados celebridades, os “blogueiros” (e neste conceito reunimos os youtubers, escritores de blogs, instagramers, dentre outros influenciadores) são conhecidos por apresentarem determinado estilo de vida aos seus seguidores ao postarem sobre a sua rotina: o que estão comendo, o que estão fazendo, onde estão jantando com os seus amigos, e assim por diante. Essa comunicação resulta, assim, em uma forma contínua de agir no ambiente online e na criação de intimidade com os seus seguidores. É por isso que eles possuem um público alvo e buscam tornar-se referência em assuntos específicos nas redes sociais, compondo assim a liderança de nichos na Internet.

Com todo esse desenvolvimento, a sua atividade no ambiente virtual passa a influenciar os seus atos no espaço físico. Para ascender nesse ambiente (o que também terá reflexos na vida pessoal), os blogueiros passam a agir orientados pela busca por curtidas e seguidores quando realizam postagens. O resultado disso é um cenário de atitudes artificiais e a busca incessante por impacto nas redes.

Isso é bem demonstrado no episódio que estamos discutindo. A protagonista, para poder comprar a casa que deseja, precisa conseguir aumentar a sua nota no ranking de avaliação. Para isso, ela passa a orientar as suas ações no dia a dia com o objetivo de ganhar notas mais altas: morde um biscoito do qual não gosta apenas para postar uma foto mais interessante e conseguir maiores notas; reaproxima-se de uma antiga amiga que possui notas altas (mas que sempre a tratou muito mal) somente para também ter melhores avaliações; afasta-se de outras pessoas somente porque possuem notas baixas, e assim por diante. Ela passa a utilizar diversos mecanismos que permitiriam aumentar sua nota para que ela pudesse ter acesso à casa que deseja, que também vem atrelada à comercialização de um estilo de vida.

Traçando paralelo com a nossa realidade, para conseguirem mais seguidores, os blogueiros costumam utilizar hashtags e mecanismos de tagging. Isso permite que suas postagens sejam veiculadas a uma maior quantidade de pessoas por meio do mecanismo de busca que as hashtags proporcionam e também de tagging em postagens com outras pessoas famosas no ambiente virtual. Por isso, nesse cenário, também é bastante comum a busca pela aprovação nas redes sociais.

A partir do momento que a pessoa faz uma postagem, esse conteúdo está na rede para ser comentado, aprovado ou simplesmente julgado pelos outros, assim como a partir do momento que se efetua o login na rede social se está lá para julgar todas as ações públicas dos outros, ainda que sem contexto ou proximidade com o indivíduo objeto desse julgamento. Esse cenário é bem exemplificado no episódio, quando observamos que a personagem principal, para ser aceita no trabalho, por exemplo, precisa não só ser muito ativa na rede social em questão, mas também esforçar-se para demonstrar um estilo de vida luxuoso e feliz, que não necessariamente reflete sua realidade, e agir como o restante das pessoas quando a questão é a exclusão e discriminação.

Assim, esse método de valorização de determinados tipos de conduta e estilos de vida acaba por implicar a exclusão e eventual discriminação daqueles que não seguem esse padrão ou que, por algum motivo, não são mais considerados dignos de uma nota boa. Essa exclusão e discriminação não se restringem ao mundo virtual, pelo contrário, elas materializam-se na própria sociedade do episódio, dificultando o acesso das pessoas em atividades cotidianas como alugar um carro. Ainda que a realidade das redes sociais de hoje não seja tão extrema quanto a do episódio, percebe-se que cada vez mais situações semelhantes vem tornando-se habituais, como o julgamento do outro, a necessidade de colocar-se como parte de um estilo de vida que é considerado como o melhor e a discriminação e segregação das pessoas com base no que seus perfis virtuais revelam, em detrimento do que é vivido e realizado no mundo real.

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