Reporta Internet, Vozes e Votos #4: Relações raciais em pauta

Notícias Desigualdades e Identidades 23.09.2016 por Clarice Tambelli

Nas últimas semanas, viemos reportando os potenciais do uso da Internet e das redes sociais em campanhas eleitorais. Sabemos das eleições anteriores, no entanto, que no ambiente virtual os candidatos e eleitores não são expostos somente à facilitação de pautas minoritárias e ampliação de possibilidades de debate, mas também a problemas como ataques virtuais ou postagens marcadas pela intolerância e preconceito. Na última semana, alguns acontecimentos nessa linha merecem destaque: a ocorrência de ataque a portal destinado à campanha a um candidato a vereador por São Paulo, no último dia 15, e o direcionamento de mensagens de ódio à página de uma Irmandade Negra na cidade mineira de Ribeirão das Neves, após a visita de candidato à Prefeitura, no dia 21.

O caso Márcio Black

Márcio Black é ativista de longa data no movimento negro e em grupos pela maior democratização do espaço urbano. Ele é candidato pela Rede a vereador da cidade de São Paulo. Em post em sua página no Facebook, Márcio denunciou que seu site estava fora do ar, devido a ataques que sobrecarregaram seu servidor e tentaram invadi-lo.

Fonte: Vote Márcio Black (Facebook)
Fonte: Vote Márcio Black (Facebook)

Cada website, a depender do servidor no qual está hospedado, tem uma capacidade máxima de acessos (slots). Assim, uma técnica comum de derrubar um site é direcionar a ele mais acessos do que o comportado, o que faz com que o servidor fique sobrecarregado e o site acabe “caindo”. Esse tipo de ataque é chamado de “ataque de negação de serviço” (no inglês, Denial of Service – DoS). Ataques DoS ocorrem todo o tempo, e muitos motivados ideológico ou politicamente. Quando acontece com empresas ou pessoas que dispõem de recursos, a possibilidade recuperação e defesa de informações e dados é maior. Márcio teve de migrar para outro servidor mais seguro e, mesmo assim, os ataques continuaram.

Segundo o candidato, uma das consequências da derrubada do site foi perder temporariamente a possibilidade de divulgação de suas propostas, que estavam concentradas ali. Apesar de também utilizar as redes sociais, o candidato considera que um site tem o condão de permitir que suas propostas sejam visualizadas de forma mais organizada e prática, principalmente em relação ao Facebook ou Twitter, que exigem que o feed seja explorado de forma cronológica para que conteúdos sejam encontrados. Depois do ocorrido, Márcio passou mais conteúdo para o Facebook, como precaução.

Uma “variação” desse tipo de ofensiva também pode ser observada nas redes sociais – com métodos e razões de ser bastante distintas. Nos últimos anos, alguns ativistas, como Stephanie Ribeiro e Jéssica Ipólito tiveram seus perfis de Facebook desativados por constantes denúncias de violações de conteúdo. Nesses casos, a plataforma alega que funcionários analisam o conteúdo e procedem à sua remoção caso violem os termos de uso, mas alguns perfis e conteúdos caem, muitas vezes, sem que pareça que fosse o caso de violação – o que a plataforma costuma justificar como erros humanos. O candidato Márcio Black afirmou, em entrevista, não ter passado por isso, mas ter sofrido tentativas esporádicas de invasão de seu perfil – tentam mudar sua senha, por exemplo.

Em comum entre Stephanie, Jéssica e Márcio está a militância em torno de questões raciais, que não raramente levanta fortes reações de intolerância nas redes. Marcio atribui os ataques ao site às características de sua candidatura:

O que pode ter colocado os ataques neste lugar: primeiro a questão da candidatura, que vem crescendo e o que pode ameaçar outros candidatos; e outra é a questão racial. Incomoda muita gente ver uma candidatura negra ganhando destaque e crescendo tão rápido como a nossa, então é assim que a gente lê. Eu acho que a motivação maior com certeza é muito mais o fato de ser uma candidatura negra, do que ser uma candidatura que vem crescendo. Isso deve ser o ponto fundamental na tentativa de derrubar nosso site, porque é justamente nele que estão todas nossas propostas: escolhemos o site como plataforma primeira para deixar as propostas, porque fica muito mais organizado.

 

O Caso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis

Ainda na semana passada, na cidade de Ribeirão das Neves (Minas Gerais), a Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis lançou uma nota de repúdio sobre os discursos de ódio sofridos em sua página no Facebook. O ocorrido começou quando a foto da visita à comunidade do candidato a prefeito de Ribeirão Neves, Antônio Carlos Cantor, do PPS, publicada em seu perfil, foi compartilhada por Gracinha Barbosa, ex-prefeita da cidade e atual coordenadora de campanha do também candidato a prefeito Irani Barbosa, do PMDB. No post, a ex-prefeita afirma:

Gente estou adoecendo, orem por mim, o Cantor (o candidato rival) tá na MACUMBA, misericórdia, a coordenadora (de campanha) sou eu, mas me ajuda aí.”

Fonte: Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis (Facebook)
Fonte: Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Justinópolis (Facebook)

De acordo com a nota, quando questionada por indivíduos sobre o teor discriminatório do post, Barbosa respondeu com comentários injuriosos e difamatórios. A postagem da ex-prefeita foi compartilhada por outra usuária, contribuindo ainda mais para visibilização das ofensas ao grupo, que identificaram a conduta de ambas como crime de racismo e intolerância dirigida às comunidades negras (ainda que sejam católicas):

Mediante tal comentário injurioso e difamatório de nossa ex-prefeita nos cabe esclarecer primeiramente que nossa religião é católica e que nós não “adoecemos” ninguém (….) A menção no post referente à “macumba”, vale esclarecer, foi intencionalmente usada para referir-se pejorativamente as nossas seculares práticas culturais, impregnadas que são pela riquíssima história da ancestralidade afro-brasileira. Uma vez que é pública e notória a conotação negativa que esta palavra adquiriu coloquialmente no Brasil nas últimas décadas como resultado das inúmeras ações de racismo e intolerância religiosa praticadas por diversos segmentos da sociedade brasileira, especialmente contra os praticantes do Candomblé, da Umbanda e das demais religiões de matriz Africana, que, como é sabido, tampouco têm e jamais tiveram em seus fundamentos religiosos tradicionais o propósito de adoecer ou causar mal algum a qualquer indivíduo.

Como já havia ocorrido recentemente com outras Irmandades Católicas tradicionais do nosso estado, infelizmente desta vez a nossa querida Irmandade do Rosário de Justinópolis é que foi a vitima do racismo e da intolerância religiosa que tanto envenenam a nossa sociedade na atualidade.

A nota aponta ainda que ações legais estão sendo encaminhadas a fim de que se forme “uma pedagogia social e politica que corrobore para que fatos indignantes como esses não se repitam jamais em nossa cidade e nosso estado.”

Esses acontecimentos parecem indicar que, no processo eleitoral municipal e seus desdobramentos na Internet, expressam-se também dinâmicas recorrentes nas relações raciais no Brasil: a tentativa de silenciamento de pessoas negras e o desrespeito à identidade e manifestações religiosas ou culturais desse grupo. Mas é também na dinâmica da construção política nessa mídia que se permitem ver a percepção das vítimas (o candidato e o grupo de eleitores), e mais que isso, o uso da Internet também para denúncia, visibilização dos fatos e encaminhamento de medida cabíveis. No limite e, mais uma vez, esse ambiente mostra-se determinante para influenciar o curso de candidaturas.
Equipe responsável pelo conteúdo: Mariana Giorgetti Valente (mariana@internetlab.org.br), Natália Neris (natalia.neris@internetlab.org.br), Juliana Pacetta Ruiz (juliana.ruiz@internetlab.org.br) e Clarice Tambelli (clarice.tambelli@internetlab.org.br).

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