Reporta Internet, Vozes e Votos #3: Campanhas, likes e matches

Notícias Desigualdades e Identidades 19.09.2016 por Clarice Tambelli

No boletim da semana passada, apresentamos uma entrevista com Evorah Cardoso, uma das idealizadoras do projeto #MeRepresenta, que visa fazer com que os candidatos respondam a questões sobre direitos humanos, para que os eleitores tenham clareza de seu posicionamento sobre essa pauta. “É um Tinder político”, disse a entrevistada. No #MeRepresenta, candidatos em geral serão submetidos às perguntas, e não somente aqueles que o projeto identifique como defensores de uma pauta; é diferente de um projeto como o Vote Trans, que também já comentamos, que lista candidaturas de pessoas trans, e também da recente iniciativa da coordenação do Blogueiras Feministas de produzir uma lista e visibilizar candidatas explícita e declaradamente feministas, conforme post de uma de suas coordenadoras.

A metáfora com o Tinder, popular aplicativo de relacionamentos, tem sido recorrente: ela tem sido utilizada também pelo projeto Vota Campinas, que tem uma proposta que tangencia o #MeRepresenta: candidatos e eleitores cadastram-se na plataforma e, a partir de 44 perguntas baseadas em tópicos variados de discussões importantes na cidade nos últimos tempos (como a discussão sobre gênero em sala de aula nas escolas municipais, o combate ao mosquito da dengue na região, ampliação ou não da área ambiental etc) e outras pautas gerais (por exemplo, opinião sobre o financiamento de campanha ser público ou privado), a plataforma faz o “match” do eleitor com os candidatos. Mais local e não focado somente em questões diretamente ligadas a direitos humanos, o Vota Campinas é menos ativista e mais propriamente uma ferramenta para a identificação de candidatos adequados – o que é uma inovação interessante, se pensarmos que a forma mais óbvia de se informar sobre candidatos, no passado, era a propaganda eleitoral gratuita, que, para muitos candidatos, significava oportunidade de apresentar rosto, nome e número.

Fonte: Vote Campinas
Fonte: Vote Campinas

Tinder, de verdade

O que é mais curioso é que, para além das metáforas, o Tinder tem sido utilizado também por candidatos em campanha eleitoral como forma de aproximação com o público. O Tinder é um conhecido aplicativo de relacionamentos que, nesta semana, completa quatro anos. Ele cruza informações do perfil de Facebook e localização geográfica dos usuários para sugerir possíveis pares para encontros amorosos. No Brasil, o aplicativo chegou em 2014 e, segundo estimativas (a empresa não revela o número total de usuários), tem aqui mais de 10 milhões de usuários. Na pesquisa realizada em 2015, pela Global Web Index (GWI), foi revelado também que a maioria esmagadora dos usuários do aplicativo são jovens: 45% têm entre 25 e 34 anos e 38% estão entre 16 e 24 anos. Segundo a própria empresa, além de o Brasil ser um dos três países com mais usuários do mundo, o brasileiro realiza login no aplicativo uma média de 11 vezes por dia, totalizando sete minutos de navegação diários. É nesses sete minutos, portanto, que a oportunidade surge: há notícia de candidatos e candidatas que passaram a utilizar o aplicativo para divulgação de sua candidatura.

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Fonte: Reprodução Própria

O uso de aplicativos de relacionamento para fins eleitorais, seja por militantes, seja por candidatos, já foi polêmico fora do Brasil: nos Estados Unidos, este ano, duas usuárias foram banidas do Tinder por utilizar suas contas pessoais para difundir mensagens da campanha à pré-candidatura do democrata Bernie Sanders à presidência dos Estados Unidos. O banimento ganhou repercussão, uma vez que realizar campanha pelo aplicativo não é contra os seus Termos e Condições de Uso. O porta voz da empresa alegou que, apesar de apoiar os usuários a demonstrarem suas posições políticas no aplicativo, o bloqueio deveu-se às ações das duas poderem ser caracterizadas como spam (não tolerado pelo aplicativo). Como a manifestação política de usuários durante as eleições continuou crescendo, o Tinder criou, para os Estados Unidos, o recurso chamado “Passe o voto” (Swipe the Vote). Algo semelhante aos projetos que mencionamos acima, o Swipe the Vote apresenta perguntas controversas ao usuário (tais como: Manter o casamento homossexual é legal?), que as responde da mesma forma como “curte” ou não um outro usuário no aplicativo, e encontra, no fim, seu “match” político (seria seu candidato perfeito).

No caso brasileiro, estamos falando de efetiva propaganda eleitoral no Tinder, no Happn e em outros aplicativos. Parece ser um lugar propício para candidatos que queiram (1) atingir um público mais jovem, (2) sem investimento financeiro e (3) criar um contato mais direto entre o candidato/apoiador e o eleitor, uma espécie de campanha porta a porta. É possível, também, que um candidato ou candidata no Tinder esteja buscando sinalizar questões relacionadas a gênero e sexualidade, como sua abertura para esses temas, e especialmente se o candidato apresentar-se como LGBT.  Mas esse uso levanta também questões e preocupações.

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Fonte: Estado de S. Paulo

 

Por que o uso de apps de relacionamento para campanhas causa estranhamento?

É verdade que os termos de uso do Tinder, por exemplo, não proíbem esses usos – é proibido somente o spam e a venda de produtos. Também não parece existir nada na legislação eleitoral brasileira nesse sentido – a não ser que o candidato esteja pagando por uma conta Premium, o que levanta uma polêmica sobre a qual ainda não se pensou. Afinal, a legislação eleitoral proíbe propaganda paga na Internet, como posts patrocinados no Facebook (Art. 57-C da Lei n. 9504/97). Mas usar uma conta Premium para fazer campanha no Tinder estaria enquadrado nisso? E o que configuraria propaganda, nesse caso? A mera exposição da foto e do número do candidato?

É verdade, também, que os usuários de plataformas frequentemente criam usos que não tinham sido pensados originalmente pelo desenvolvedor, e isso faz parte do dinamismo das relações sociais. Mas será que o usuário de um aplicativo de relacionamento não tem uma expectativa razoável de que encontrará, ali, pessoas também buscando relacionar-se? Será que parte dos usuários não se sente à vontade para se expor num aplicativo de relacionamentos por saber que as demais pessoas estão ali pelas mesmas razões? Isso pode ser especialmente relevante para usuários e usuárias vivendo fora dos padrões normativos da sexualidade. Além disso, um político que se apresenta no Tinder passa a mensagem dúbia de estar disponível para relacionamento e estar ali apenas para divulgar sua campanha; o que significa dar match com um candidato a vereador? Como saber se ele tem interesse amoroso ou sexual ou se está apenas querendo fazer propaganda, ou ambos? Ou se está simulando interesse e disponibilidade para conquistar simpatia? Vale lembrar ainda que, para que o perfil seja visto por mais pessoas, é possível configurar esses aplicativos para que o perfil seja exibido tanto para homens quanto para mulheres, o que pode confundir ainda mais os usuários acerca da sexualidade do candidato ou candidata que se utiliza da plataforma para fins eleitorais.

A legislação eleitoral estará sempre defasada em relação às novas formas de se comunicar, ou mesmo das inovações cidadãs nos usos delas. Há algumas outras questões, no entanto, que acabarão tendo de ser discutidas no âmbito da ética, e do debate público e desenvolvimento de sensibilidades em relação a gênero e sexualidade. Essa parece ser uma delas.

 

Equipe responsável pelo conteúdo: Mariana Giorgetti Valente (mariana@internetlab.org.br), Natália Neris (natalia.neris@internetlab.org.br), Juliana Pacetta Ruiz (juliana.ruiz@internetlab.org.br) e Clarice Tambelli (clarice.tambelli@internetlab.org.br).

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