Aos 70, falece John Perry Barlow, um dos fundadores do movimento ciberlibertarianista e da Electronic Frontier Foundation

Notícias Institucional 08.02.2018 por Dennys Antonialli e Pedro Lima

Faleceu ontem, dia 07 de fevereiro, John Perry Barlow, considerado um dos fundadores do chamado movimento ciberlibertarianista. Inserido no campo das políticas de Internet desde o final da década de 80, Barlow não teve uma trajetória tradicional. Ligado ao movimento hippie dos anos 70, foi fazendeiro, criador de gado e compositor de músicas de rock, sua aproximação com a Internet se deu pela sua vontade de estar em contato com a comunidade de fãs da banda The Grateful Dead, para a qual compunha. Já em 1987, Barlow era usuário assíduo de um dos primeiros fóruns virtuais da rede, o Whole Earth Lectric Link (“The WELL”).1

Fascinado com o poder da Internet e com o espaço único de interação que nela se estabelecia, em 1990, Barlow fundou, junto com John Gilmore e Mitch Kapor, a Electronic Frontier Foundation (EFF), uma das mais influentes entidades do terceiro setor ligadas à pauta de direitos digitais no mundo. Além de seu trabalho na EFF, Barlow passou boa parte da década de 90 escrevendo sobre as potencialidades da Internet em uma série de colunas para a revista Wired. Com isso, além de apresentar a Internet para milhares de futuros usuários, Barlow propagava suas concepções libertárias a respeito da rede.

E foi exatamente imbuído dessas concepções que Barlow escreveu, em 8 de fevereiro de 1996, o texto mais influente para o movimento ciberlibertarianista: a “Declaração de Independência do Ciberespaço”. No documento, cuja estrutura foi inspirada na Declaração de Independência Americana, Barlow escorraça a ideia de regulação da Internet por parte de qualquer Estado, defendendo que o ciberespaço é um ambiente autônomo, paralelo e descolado da autoridade de qualquer governo:

“Governos do Mundo Industrial, gigantes cansados de carne e aço, eu venho do ciberespaço, o novo espaço da Mente. Em nome do futuro, eu peço a vocês do passado que nos deixem em paz. Vocês não são bem-vindos entre nós. Vocês não tem soberania sobre o lugar onde nós nos encontramos. Nós não temos governo eleito, e é tampouco provável que tenhamos um, então eu me dirijo a vocês com não menos autoridade do que aquela com a qual a liberdade por si só sempre fala. Eu declaro o espaço social global que nós estamos criando como naturalmente independente das tiranias que vocês almejam impor sobre nós. Vocês não têm direito moral de nos governar e tampouco possuem quaisquer métodos de força que nós tenhamos razões verdadeiras para temer. […]”2

Embora tenha sido escrita na Suíça, em Davos, por ocasião do Fórum Econômico Mundial, a Declaração foi uma clara reação à sanção do então presidente Bill Clinton a uma lei federal nos Estados Unidos que impunha sérias restrições à distribuição de conteúdos “obscenos” ou “indecentes” pela Internet a menores de 18 anos.3 Era a primeira vez que uma legislação federal se propunha a regular o compartilhamento de conteúdos na rede, o que rapidamente despertou a ira de libertários como Barlow.

Na época, a Declaração encontrou ressonância no pensamento de diversos autores e ativistas, que passaram a enxergar a Internet como um espaço alternativo ao Estado e que, por consequência, deveria ser imune à regulação. Sendo assim, Barlow teria exonerado a “sociedade do ciberespaço” das amarras territoriais que governam as relações no caso dos Estados nacionais.4 O sonho da ausência de qualquer presença do Estado na Internet tornou-se controverso ao longo dos anos. Com o passar do tempo e o desenvolvimento acelerado da Internet, de uma ponta à outra do espectro político, a presença dos Estados se fez sentir cada vez mais.

Em visita ao Brasil em 2003, Barlow conheceu o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, que também sempre se disse fascinado pela tecnologia da Internet – com músicas como Cérebro Eletrônico, Banda Larga Cordel etc. Os dois conversaram sobre as perspectivas de inclusão digital e sobre o movimento Creative Commons, que começou na época5. Barlow continuou como membro do conselho-diretor da Electronic Frontier Foundation até sua morte, tendo em 2012 fundado outra organização de propósitos similares, a Freedom of the Press Foundation6, dedicada a financiar projetos de liberdade de expressão e liberdade de imprensa, como por exemplo, a quebra do bloqueio financeiro imposto à WikiLeaks após a divulgação de milhões de documentos secretos e no desenvolvimento de uma ferramenta de whisteblowing chamada de SecureDrop, hoje usada por diversos grandes jornais.7 Chegou a participar de várias entrevistas com Edward Snowden, a quem chamou de “herói” e também com Julian Assange, fundador do WikiLeaks8.

Com suas ideias e discursos libertários, Barlow influenciou muitos ativistas e desenvolvedores, como Aaron Swartz, um jovem programador e hacktivista que contribuiu ativamente para a criação da organização Creative Commons, do Reddit e também na luta contra o Stop Online Piracy Act, projeto de lei que ampliava os mecanismos pelos quais detentores de direito autoral poderiam remover conteúdo da Internet, o que trazia sérias ameaças para a liberdade de expressão e o acesso à informação.9

John Perry Barlow faleceu durante seu sono aos setenta anos de idade, após sobreviver a um ataque cardíaco quase fatal em 2015 que o deixou hospitalizado por semanas, mas não antes de terminar de escrever “Mother American Night”, sua obra autobiográfica que será lançada em junho deste ano.10 Enquanto a Internet continuar presente em nossas vidas, contudo, a contribuição de Barlow continuará sendo uma importante referência contra práticas autoritárias e de controle da Internet.

 

Por Dennys Antonialli e Pedro Lima

 


[1] Cf. Electronic Frontier Foundation, “All About John Perry Barlow”, disponível em https://w2.eff.org/Misc/Publications/John_Perry_Barlow/HTML/barlow_bio.html, último acesso em 27 de agosto de 2016. Cf. também Jack Goldsmith e Tim Wu, Who controls the Internet, pp.17-22.

[2“Governments of the Industrial World, you weary giants of flesh and steel, I come from Cyberspace, the new home of Mind. On behalf of the future, I ask you of the past to leave us alone. You are not welcome among us. You have no sovereignty where we gather. We have no elected government, nor are we likely to have one, so I address you with no greater authority than that with which liberty itself always speaks. I declare the global social space we are building to be naturally independent of the tyrannies you seek to impose on us. You have no moral right to rule us nor do you possess any methods of enforcement we have true reason to fear.” Cf. John Perry Barlow, A Declaration of the Independence of Cyberspace, Electronic Frontier Foundation, disponível em: <https://www.eff.org/pt-br/cyberspace-independence>, último acesso em: 04/11/2016 (tradução livre).

[3] A lei (“Telecommunications Competition and Deregulation Act of 1996” ou, como ficou conhecido a sua seção V, “Communications Decency Act of 1996”) foi sancionada no próprio dia 8 de fevereiro de 1996 pelo então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.

[4] Cf. Hans Lindahl, We and cyberlaw: The spatial unity of constitutional orders, Indiana Journal of Global Legal Studies, v. 20, n. 2, p. 697–730, 2013, p. 704.

[9] Ver: The Internet’s Own Boy, documentário sobre a vida de Aaron Swartz: https://www.youtube.com/watch?v=9vz06QO3UkQ

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