Reporta #7: Relações de gênero e as eleições

InternetLab Reporta 14.10.2016 por Clarice Tambelli

A subrepresentação feminina em cargos eletivos foi mais uma vez uma das pautas de discussão das últimas eleições. Cientistas políticos, jornalistas e pesquisadores debruçam-se  sobre o tema apresentando diferentes questões e perspectivas sobre participação política. O projeto Gênero e Número, por exemplo, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral, dedicou-se em sua última edição, “Mulheres e Política”,  primeiramente a problematizar a forma pela qual as informações com recorte de gênero são disponibilizados (de forma desorganizada para análise), e também a discutir a questão (e seus limites) da representatividade de mulheres cisgêneras,  transgêneras e travestis.

 

Fonte: Gênero e Número
Fonte: Gênero e Número


O diagnóstico de que há entraves relacionados à dinâmica de funcionamento da política brasileira – marcada por uma estrutura excludente que segue “velhas práticas de alianças, com máquinas partidárias que não cedem espaço para mulheres” -,  é incontornável. Para além dele, o que pudemos observar no último pleito foi um sexismo que transcendeu questões estruturais do jogo político e apresentou-se durante o período de campanha.

Na última semana a candidata e atualmente recém-eleita ao cargo de vereadora na cidade de Taubaté em São Paulo, Loreny Caetano Roberto, teve fotos de biquíni na praia compartilhadas em grupos de WhatsApp. Com a imagem, seguia um texto que questionava sua competência para assumir o cargo de vereadora.

A exposição sofrida por Loreny repercutiu na cidade, e uma mobilização no Facebook via uso de hashtag (#eusouloreny, #somostodosbiquini) chama atenção para o sexismo na atitude não somente de vazar o conteúdo, mas de compartilhá-lo. De acordo com a matéria “Biquini e Eleição”, publicada em jornal local, a cidade passa por problemas graves relacionados à corrupção envolvendo um candidato a prefeito que, apesar de inelegível, foi líder de votos. Contudo, tal fato não foi capaz de mobilizar tanta atenção dos eleitores quanto a imagem de Loreny em trajes de banho.

De fato, a imagem de mulheres atuantes na política tem sido alvo de ataques de diferentes modos neste período. O que vem sendo denominado de “machismo eleitoral” se manifesta na forma de assédio e cantadas nas ruas, críticas baseadas no gênero e até mesmo xingamentos, principalmente na Internet. Alguns desses relatos foram publicados em reportagem na Folha de S. Paulo:

Em panfletagem nas ruas vários homens cumprimentavam a então candidata Maíra Pinheiro (PT) com liberdade excessiva: pegam na cintura, passam a mão no ombro. Olham para o busto dela. Um desce a mão por suas costas. Ela se esquiva. “É muito desagradável. Aí você fica brava com o desrespeito e dizem que ‘é só um elogio‘.

Pinheiro relata também xingamentos:

“Tem gente que xinga mesmo, que não gosta de feminista. Fala palavrão, chama de puta, mal-amada. Sem contar os que dizem que eu sou egoísta por entrar na política tendo uma filha pequena. Que eu sou uma péssima mãe, que eu estou negligenciando ela”

 

Fonte: Folha de S. Paulo
Fonte: Folha de S. Paulo

Relatos dessa natureza demonstram que, assim como no caso de Loreny, os corpos e a intimidade de mulheres são passíveis de exposição e violação independente do espaço social. Essas situações revelam a força dos padrões culturais baseados na subalternização de gênero – nas ruas e por meio de redes sociais como WhatsApp e Facebook – e alertam que o debate sobre igualdade de gênero na política pode até passar pelo debate sobre representatividade, mas, sem dúvida, ultrapassa os limites dessa discussão.

 
Equipe responsável pelo conteúdo: Mariana Giorgetti Valente (mariana@internetlab.org.br), Natália Neris (natalia.neris@internetlab.org.br), Juliana Pacetta Ruiz (juliana.ruiz@internetlab.org.br) e Clarice Tambelli (clarice.tambelli@internetlab.org.br).

compartilhe