InternetLab Reporta – Direito Autoral no Ambiente Digital n. 02

InternetLab Reporta 27.02.2016 por Juliana Ruiz

Há doze dias, o Ministério da Cultura deu início à consulta pública online sobre como deve estabelecer regras para a cobrança de direitos autorais no ambiente digital. A ideia do governo é editar, após a consulta pública, uma Instrução Normativa que determine como essa atividade de cobrança deverá ser realizada.

O InternetLab está acompanhando a consulta pública desde o início e publica, semanalmente, boletins sobre o que está sendo discutido pelos participantes. Na semana passada publicamos o primeiro desses boletins, no qual explicamos: (i) o contexto e os antecedentes do debate; (ii) um resumo do problema da cobrança de direitos autorais no ambiente digital; (iii) o que o Ministério da Cultura pretende com a instrução normativa; (iv) se isso significa tributação dos serviços de streaming; (v) como participar; e (vi) como funcionará nosso acompanhamento. Para saber mais desses assuntos, clique aqui.

 

Números da consulta até agora

Até o dia 26 de fevereiro, sexta-feira, a consulta pública recebeu 254 contribuições, sendo 46% delas ligadas ao texto sugerido de instrução normativa disponibilizado pelo Ministério da Cultura e 54% no espaço reservado a sugestões de novos dispositivos. A consulta pública dividiu o texto em 5 eixos para discussão: 1) disposições gerais; 2) exercício da atividade de cobrança; 3) habilitação; 4) transparência; 5) obrigações dos usuários. O primeiro dos eixos, “disposições gerais” (eixo que inclui as propostas de novos dispositivos), foi o mais comentado neste período inicial, concentrando 68% do total das contribuições submetidas ao site. Os eixos de habilitação, transparência e obrigações dos usuários ainda não receberam muita atenção, recebendo 06, 01 e 4% do total de contribuições, respectivamente.

 

O que os participantes da consulta pública têm dito?

De uma maneira geral, as contribuições têm rejeitado a proposta de instrução normativa, por diferentes motivos. Por vezes uma mesma contribuição articula alguns deles. Produzimos um levantamento e breve categorização das contribuições do eixo mais comentado (“Disposições Gerais”).

170 dos 172 comentários submetidos naquele eixo atacam a iniciativa do Ministério da Cultura. A tendência é reproduzida nos demais eixos de debate, e o espaço para sugestão de novos dispositivos foi também utilizado para o envio de opiniões gerais (em sua grande maioria negativas) sobre o propósito da consulta pública.

O pano de fundo para a rejeição não poderia deixar de ser a avaliação geral negativa que o governo Dilma vem recebendo nos últimos meses. A indignação dos cidadãos com temas gerais da vida política parece ter incidido também nesta consulta pública. 24% das contribuições inseridas no eixo mais comentado rejeitaram a iniciativa de forma taxativa ou a partir de um argumento de rejeição ao atual governo, sem tocar propriamente nos temas da consulta.

Imagem: Manifestação contra o governo e a corrupção na Esplanada dos Ministérios (José Cruz/Agência Brasil), em https://www.flickr.com/photos/fotosagenciabrasil/16204919113. CC-BY 2.0.

 

Outras rejeições à proposta trataram do tema da consulta: do conjunto de 172 contribuições, 38% rejeitam a consulta por considerar que a intenção da instrução normativa (e do governo) seria criar um tributo. Em 27% das 172 aparece o argumento de que a iniciativa deveria ser rejeitada por ser uma interferência indevida do Estado em assuntos privados (argumento associado por alguns participantes à negativa a qualquer tipo de regulação estatal, e incluindo por vezes a rejeição à remuneração por direitos autorais de qualquer tipo).

Em 22% das participações analisadas surgiu a concepção de que o Ministério da Cultura quer que as plataformas de streaming paguem duas vezes pela mesma coisa (em muitas delas surgiu o termo “bitributação”). Em 13% dos comentários encontramos uma rejeição associada à ideia de que a haveria um aumento do custo dos serviços ao consumidor final. 9% deles apresentaram argumento contrário à iniciativa por problemas apontados no funcionamento do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), afirmando que um modelo sem a sua interferência seria mais desejável.

Cabe explicitar que alguns dos argumentos pela rejeição partem de uma falta de compreensão do tema. Um exemplo é a discussão de que a iniciativa do Ministério da Cultura ensejaria a criação de novos tributos. Como abordamos no primeiro boletim do InternetLab sobre a consulta pública, “aquilo que o ECAD cobra não é nem nunca foi um tributo, ou seja, não é imposto nem taxa”.

Ou seja, estabelecer que é o ECAD ou é outra associação ou são as próprias gravadoras que devem cobrar de um serviço muda significativamente as regras do jogo, mas em hipótese alguma significa a criação de um novo imposto. Também não se está estabelecendo que o usuário individual de música terá de pagar nada ao governo ou às associações, embora um ou outro modelo possam ter diferentes impactos para o usuário final em termos de preços, o que mereceria uma análise mais profunda

 

O que estaria em jogo, nesta consulta, e que parece ter sido discutido diretamente em somente 9% das contribuições analisadas, é: quem serão os responsáveis por recolher os direitos autorais pelas atividades na Internet? Qual seria o modelo adequado para os negócios em questão?
Se o padrão de participação continuar semelhante, nas próximas semanas discutiremos em mais detalhes o contexto de rejeição da consulta pública, analisando com mais profundidade as percepções e pressupostos dos argumentos apresentados.

 

Por Francisco Brito Cruz, Juliana Pacetta Ruiz e Mariana Giorgetti Valente

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