Imagem de um galpão com muitas mesas longas, brancas e compartilhadas. Nas mesas, as pessoas estão sentadas usando computadores.

InternetLab Reporta – Consultas Públicas nº 03

InternetLab Reporta 13.02.2015 por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan

Nesta quarta feira, dia 11/02, chegamos a duas semanas de consultas públicas abertas sobre a elaboração do decreto de Regulamentação do Marco Civil da Internet e do anteprojeto de lei de proteção de dados pessoais. O InternetLab continua a atualizar o passo a passo das discussões – confira aqui o relato da abertura e da primeira semana. Durante esse período, o número de participantes cadastrados e de contribuições continuou a crescer, mas a força das discussões parece ter se estabilizado.

Para além das discussões temáticas, vale dizer que o que parece estar em jogo é uma cultura de discussão e debate público em construção. A desorganização gerada pelo descumprimento das diretrizes de uso oferecidas pelo Ministério da Justiça e pela desatenção de alguns participantes são sintomas de que a prática de discutir publicamente textos de lei não é algo natural para quem está enviando contribuções. O incentivo à prática de debate interativo e o esclarecimento de pontos onde há confusão técnica (computacional ou jurídica) é essencial.

Números e estatísticas

As plataformas online das consultas públicas continuam movimentadas e ganhando novos usuários. Já são 707 usuários cadastrados (28% a mais, em uma semana) e 11,914 visitas ao site (aumento de 40% em uma semana). O predomínio de atividade vinda do sudeste continua, sendo São Paulo o remetente mais comum das visitas, com 33%.

Release da participação nas consultas públicas divulgado pelos perfis do Ministério da Justiça nas redes sociais. Está escrito: 42.000 page views; 12.000 visitas; 430 contribuições; participação.mj.gov.br; Proteção de dados pessoas; Marco Civil da Internet.
Release sobre a participação nas consultas públicas divulgado pelos perfis do Ministério da Justiça nas redes sociais.

Nesta segunda semana, a plataforma de discussão do decreto de regulamentação do Marco Civil foi comparativamente mais procurada e já conta com 204 contribuições, mas o anteprojeto de Dados Pessoais segue com um número maior de contribuições, 219.

 

Regulamentação do Marco Civil: neutralidade da rede e “acesso grátis” ainda em pauta

O tema mais movimentado na consulta pública sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet ainda é a neutralidade de rede, mais especificamente a proibição ou não de planos de  “acesso grátis” a aplicativos (os chamados planos de “zero rating”). A discussão promete se prolongar por mais algum tempo – e já começa a movimentar a esfera pública. Nesta semana, o assunto monopolizou atenções em debate realizado na Campus Party, o que começou a marcar os argumentos de cada um dos lados.

Imagem de um galpão com muitas mesas longas, brancas e compartilhadas. Nas mesas, as pessoas estão sentadas usando computadores.

Na plataforma, a primeira questão levantada e que merece ser respondida é se tais acordos de acesso grátis trazem mais benefícios ou malefícios ao consumidor? Consumidores mais carentes podem vir a se beneficiar com o acesso grátis a alguns apps, mas esta segmentação pode vir a produzir “internets diferentes” conforme a renda do usuário.

O segundo ponto de vista bastante questionado que merecerá atenção nos próximos dias é como estes planos podem ser vistos do lado concorrencial. Os acordos comerciais entre as operadoras de telecomunicações fortaleceriam monopólios dos atuais provedores de aplicações, os “gigantes da Internet” (Google, Facebook etc), ou a concorrência estaria preservada, desde que não fosse negociada nenhuma exclusividade entre as duas partes?
A discussão no website do Ministério da Justiça ainda não congregou as contribuições de setores organizados, como as empresas envolvidas, a sociedade civil e a academia. São cenas dos próximos capítulos.

 

Dados pessoais: dúvidas sobre tratamentos de dados “com fins jornalísticos”

Na discussão do anteprojeto de lei de proteção de Dados Pessoais, vários usuários apresentaram dúvidas quanto ao inciso II do § 2º do Artigo 2º. Este inciso trata da não aplicação da lei em questão para tratamento de dados “realizados para fins exclusivamente jornalísticos”.

Os participantes expressaram dúvidas de quais seriam os motivos para a não aplicação da lei nestes casos e sobre qual é o significado da expressão “fins jornalísticos”. No fundo, a preocupação pareceu estar em como equilibrar os direitos à liberdade de imprensa e à privacidade.

Para destrinchar a discussão sobre esse equilíbrio, o InternetLab pediu comentários à advogada Taís Borja Gasparian. Gasparian advoga em casos de imprensa e jornalismo. A ideia é esclarecer a proteção jurídica já existente para a atividade jornalística e oferecer mais subsídios ao debate da redação do anteprojeto.

 

Sigilo de fonte e direito à privacidade

Um primeiro ponto é a diferenciação entre o sigilo de fonte e o direito à privacidade, que será tutelado pelo anteprojeto.

Comentário: Taís Borja Gasparian (advogada na área de mídia e imprensa e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo e Gasparian Advogados)

O sigilo de fonte é tutelado pelo artigo 5º, XIV, da Constituição Federal. Desde a promulgação da CF, e com os sucessivos governos democráticos, o princípio tem sido respeitado no país. Chamo a atenção, contudo, para o Caso ANJ (Associação Nacional de Jornais) v. Tribunal Regional Federal (STF, Reclamação 19.464) – Trata-se de um processo que diz respeito ao sigilo de fonte. O Juiz da 4ª Vara Federal de Rio Preto, SP, ordenou a quebra do sigilo telefônico de um jornalista para investigar quem teria transmitido ao jornalista as informações por ele divulgadas em matéria jornalística publicada no jornal Diário da Região. A ANJ propôs uma Reclamação para que, obedecendo a decisão já proferida pelo Supremo Tribunal (ADPF 130), seja cassada a determinação do magistrado que ordenou a quebra do sigilo do jornalista.

 

Exceção da proteção a dados pessoais em matérias jornalísticas

Assim como o sigilo de fonte, a criação de uma “exceção” para o uso de dados pessoais em matérias jornalísticas também não é novidade no direito brasileiro.

Comentário: Taís Borja Gasparian (advogada na área de mídia e imprensa e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo e Gasparian Advogados)

O uso de dados pessoais pela imprensa só é taxativamente proibido quando se tratar de criança e adolescente (ECA, art. 143). Nos demais casos, há que se ponderar o princípio da liberdade de imprensa com os princípios de proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem. Não há regra que defina quando podem ser veiculados os dados de uma pessoa, mas geralmente o que se observa é (a) a função que a divulgação de um dado pessoal tem no caso, e (b) o interesse público envolvido, sendo certo que, entre o interesse privado e o público, este último deve prevalecer.

 

Definição de “fins jornalísticos”: quem é jornalista?

Com o uso de blogs e microblogs até onde iria a exceção criada por esta lei? A redação utilizada pelo projeto, ampla e abrangente, foi alvo de críticas pelos participantes da consulta.

Comentário: Taís Borja Gasparian (advogada na área de mídia e imprensa e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo e Gasparian Advogados)

É cada vez mais difícil estabelecer o que é uma divulgação jornalística, ou uma matéria jornalística. O jornalismo cidadão, como tem sido cotidianamente denominada a contribuição de pessoas para a informação, de fato torna praticamente impossível a definição exata. De modo geral, o conteúdo de blogs que são feitos por jornalistas (com diploma ou sem, mas inscritos no sindicato e reconhecidos como tais) ou blogs suportados/hospedados por empresas jornalísticas constituem informação jornalística. Notícias divulgadas em redes sociais evidentemente não possuem esse caráter. Quanto às demais possibilidades – que são inúmeras – há que se fazer análise do caso concreto. Mas é evidente que a linguagem utilizada pelo projeto é inadequada, em razão da confusão que pode gerar.

Por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan

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