InternetLab Reporta – Consultas Públicas nº 05

InternetLab Reporta 27.02.2015 por Francisco Brito Cruz, Jonas Coelho Marchezan, Beatriz Kira e Maike Wile dos Santos

Confira abaixo como foi a quarta semana das consultas públicas sobre a regulamentação do Marco Civil da Internet e sobre o anteprojeto de lei de proteção de Dados Pessoais.

 

Números e estatísticas

Fonte: Ministério da Justiça. Produção própria.
Fonte: Ministério da Justiça. Produção própria.

 

Fonte: Ministério da Justiça. Produção própria.
Fonte: Ministério da Justiça. Produção própria.

A consulta pública do Comitê Gestor da Internet (CGI.br)

Terminou na semana passada (20/02) a consulta pública aberta em 19 de dezembro pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), também sobre a regulamentação do Marco Civil. Este comitê é um órgão multissetorial que desempenha papéis relevantes na gestão da Internet no Brasil.

Durante o período de consulta, o CGI.br coletou contribuições de diversos setores da sociedade com o objetivo de construir um documento de trabalho a ser enviado diretamente aos órgãos do Governo Federal responsáveis pelo processo de regulamentação da lei do Marco Civil. A ideia do Comitê foi, portanto, coletar sugestões para formular a sua própria postura institucional neste processo. Abaixo os números de contribuições enviadas para o CGI.br, organizadas a partir dos eixos de discussão estipulados pelo Ministério da Justiça.

 

Fonte: CGI.br. Produção própria.
Fonte: CGI.br. Produção própria.

 

A consulta do CGI difere daquela aberta pelo Ministério da Justiça em três aspectos. Em primeiro lugar, o CGI.br decidiu por requisitar a identificação da autoria das contribuições. Na plataforma do Ministério da Justiça somente é necessário o uso de um “nome de usuário” e de um e-mail válido.

Além disso, o formato adotado para o envio das contribuições é diferente nas duas consultas. O CGI.br optou pelo uso de formulários nos quais os participantes poderiam escrever por extenso, o que incentivou argumentações mais longas. A plataforma do Ministério da Justiça, por sua vez, funciona através de tópicos e comentários, privilegiando o diálogo entre participantes.

Por fim, a chamada para consulta do CGI.br previu uma reunião aberta ao fim do debate para a consolidação das contribuições, que aconteceu hoje (dia 27/02). Num segundo momento, o CGI.br estabeleceu um grupo de trabalho com um cronograma, para elaborar sua proposta final.

O que se espera é que as opiniões e argumentos não contemplados pelo documento de posicionamento do CGI.br sejam reinseridos pelos seus autores na consulta pública aberta pelo Ministério da Justiça, tendo em vista que são os mesmos temas sendo tradados.

 

Regulamentação do Marco Civil: eficácia da neutralidade de rede e fiscalização

O usuário apba25, criador do tópico “Eficácia da Neutralidade, levantou a seguinte questão: como será garantida a aplicação da regra da neutralidade de rede no Brasil?

Partindo do pressuposto que a neutralidade é uma regra em vigor desde a aprovação do Marco Civil da Internet, a regulamentação discutida na consulta pública tem como ponto importante desvendar quem será a autoridade responsável pela fiscalização e quais serão os meios pelos quais esta autoridade garantirá que a neutralidade realmente funcione.

Por um lado, o órgão escolhido deve ter poder, independência e estrutura suficiente para fazer valer o que está na lei. Em outras palavras, há necessidade de encontrar o melhor arranjo possível dentro da administração pública para realizar as inspeções e punir eventuais desvios de forma eficiente e rápida.

Porém, por outro lado, há a preocupação com ações excessivamente discricionárias por parte dessa autoridade. Esta última preocupação traria a necessidade de criar formas de fiscalização e averiguação de denúncias relacionadas a própria autoridade escolhida para realizar o controle da neutralidade de rede.

Em resposta à indagação de apba25, o participante Pedro Ramos (que é pesquisador associado do InternetLab) opinou sobre como deveria ser o arranjo institucional para fiscalização da neutralidade da rede:

“As regulamentações específicas sobre neutralidade da rede em outros países atribuem à autoridade de telecomunicações nacional a competência de fiscalizar o cumprimento das obrigações de tratamento isonômicos previstas em lei, ainda que haja uma discussão bastante incipiente no debate estadunidense sobre o papel que a Federal Trade Commission (agência responsável pela defesa do consumidor no país) deveria ter no tema da neutralidade da rede.

Acho que esse deve ser também o caminho natural no caso do Brasil. Parece-me que a competência da Anatel para adotar as medidas necessárias para o cumprimento da neutralidade da rede no Brasil, encontra-se bem delineada no ordenamento brasileiro, e que essa agência já possui mecanismos institucionais estabelecidos que podem facilitar a fiscalização e execução da lei (vide LGT, regulamentos e procedimentos de PAVD  [Procedimento Administrativo para Averiguação de Denúncia] e PADO [Procedimento de Apuração de Descumprimento de Obrigações]).

Uma alternativa para reduzir a seleção adversa e o risco moral na apuração das violações da neutralidade da rede pela Anatel seria incluir a necessidade de oitiva do CGI.br nos procedimentos de apuração de descumprimento de obrigações ou de averiguação de denúncias relativas à violação das disposições do art. 9.º do Marco Civil. Essa oitiva traria pelo menos dois outros benefícios: (i) legitimidade institucional, visto que o CGI.br é um órgão multissetorial; e (ii) maior capacidade técnica e recursos humanos para apuração de casos difíceis, uma vez que o CGI.br opera atualmente diversas ferramentas e tecnologias que podem auxiliar na identificação de práticas de discriminação que ocorram abaixo da superfície”.

A opinião de Pedro Ramos não é unânime – em especial se observadas algumas contribuições enviadas ao Comitê Gestor da Internet, que ainda não se posicionou sobre o tema. Sobre o assunto ainda são aguardadas as manifestações de ambos os órgãos citados no Marco Civil como referência de regulação da neutralidade – o próprio CGI.br e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

 

Dados pessoais: transferência de dados entre entidades públicas e privadas

Os usuários JCK e Prof. Marcos levantaram questões importantes sobre o parágrafo 3º do artigo 2º do anteprojeto de Proteção de Dados Pessoais. Este dispositivo proíbe a transferência de bases de dados gerenciadas por órgãos ou entidades da administração pública para entidades da iniciativa privada.

A preocupação parece residir na concepção de que as bases de dados de entidades privadas não são seguras tanto quanto bases de dados gerenciadas por órgãos públicos. Os participantes interpretaram que a proibição estaria no anteprojeto para evitar que dados recolhidos pela administração pública fossem armazenados em ambientes inseguros.

Apesar da segurança dos dados ser um princípio bastante endereçado na lei, a proibição das transferências de bases de dados gerenciadas por órgãos públicos para entidades privadas parece estar também ligada a outro conceito recorrente no anteprojeto: o consentimento.

O problema estaria na diferença entre como a coleta de dados pessoais é realizada pelo setor público e pelo setor privado – no primeiro caso sendo feita sem necessário consentimento do cidadão (de maneira muitas vezes compulsória). O comentário do professor Danilo Doneda explica esta tensão:

Comentário: Danilo Doneda (Doutor e Professor Visitante da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ)

O governo tem algumas prerrogativas e facilidades para obter dados pessoais, você veja que o consentimento para a coleta de dados por parte do governo não é necessário em muitos casos no anteprojeto. E essa é uma regra no governo, os órgãos públicos realizando atividades dentro de suas competências, a princípio, não precisam pedir consentimento. Isso é balanceado com a transparência, você tem que deixar claro o que fazem, como fazem. Transparência seria a compensação pela desnecessidade do consentimento.

Desta forma, a ideia desta proibição parece ser barrar a transferência de dados coletados pelo poder público sem a necessidade de consentimento para entidades privadas.

O parágrafo estabelece uma exceção para a proibição – os casos que o órgão público concede ou permite atividade pública para terceiro (entidade privada). Quando um caso exigir uma transferência deste tipo ela ficará permitida, desde que exclusivamente para fim específico e determinado previamente.

Por Francisco Brito Cruz e Jonas Coelho Marchezan / Colaboraram com a tradução Beatriz Kira e Maike Wile dos Santos

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