Reporta #5: Candidaturas indígenas em pauta

Notícias Desigualdades e Identidades 03.10.2016 por Clarice Tambelli

Ao longo do último mês, notamos que a questão da representatividade tem permeado as discussões sobre eleições municipais e que a Internet vem se constituindo como lugar privilegiado de campanhas por visibilidade de candidaturas e comprometimento com pautas – como por exemplo relacionadas aos Direitos Humanos.

A sobrerrepresentação de homens, brancos, com faixas etárias mais altas em cargos eletivos é conhecida; no entanto, a partir de 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral passou a divulgar também dados sobre perfil étnico-racial dos candidatos, as desproporções tornaram-se mais evidentes.

No pleito atual, um mapeamento semelhante foi realizado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Boletim publicado nessa semana evidenciou que candidaturas indígenas, por exemplo, não chegam ao 1% do total de candidaturas registradas neste ano:

Fonte: Elaborado por Campos, Luiz Augusto; Machado, Carlos. A Cor e o Sexo da Política: candidatos e candidatas nas eleições municipais de 2016. Textos para discussão GEMAA (IESP-UERJ), n. 12, 2016, pp. 1-19.
Fonte: Elaborado por Campos, Luiz Augusto; Machado, Carlos. A Cor e o Sexo da Política: candidatos e candidatas nas eleições municipais de 2016. Textos para discussão GEMAA (IESP-UERJ), n. 12, 2016, pp. 1-19.

Assim como outros grupos que são subrepresentados, ou que têm, por motivos sociais e históricos diversos, mais dificuldades em candidatar-se ou visibilizar sua campanha – como negros e LGBTTIs -, os indígenas têm elaborado listas de visibilização de candidaturas na Internet. Para as eleições de 2014, foi elaborada não somente uma lista concentrando candidatos indígenas de diferentes regiões brasileiras, como também outra indicando candidatos em quem não votar, do ponto de vista dos direitos indígenas  – composta, principalmente por membros da bancada ruralista.

Nestas eleições, o portal Radio Yandê também publicou uma lista de candidaturas indígenas pelo país. Em vídeo que acompanha a lista, Denilson Baniwa aponta que o voto em indígenas comprometidos com as demandas desse grupo é fundamental, num contexto em que direitos encontram-se ameaçados, para que, em suas palavras, “ninguém decida por nós”.

 Fonte: Portal Radio Yandê
Fonte: Portal Radio Yandê

Agregar essas candidaturas ganha importância como estratégia de visibilização num contexto em que candidaturas indígenas enfrentam desafios de diversas ordens. Como exemplo, o Portal Radio Yandê, na matéria que acompanha a lista, discorre sobre os motivos da desistência de David Martim, da etnia Guarani Mbyá em São Paulo, à candidatura para vereador e os motivos que culminaram nessa decisão:

A nossa luta como povos indígenas sempre encontrou grandes desafios no caminho e nosso povo sempre teve êxito na forma de resistência e luta. A entrada para vida política partidária não é uma escolha fácil de ser tomada por uma liderança indígena, mas essa foi minha escolha neste ano, resolvi assumir uma candidatura municipal a vereador em São Paulo. Me lembro dos conselhos e todo o apoio que tive dos amigos e das pessoas que entendem a importância da representatividade indígena no parlamento, e recebi todo o apoio da minha comunidade para enfrentar esse desafio. Foram 15 dias, desde o registro do TRE até os últimos dias de campanha. Dias que ficaram marcados por muito trabalho e empenho de poucas pessoas que estavam apoiando diretamente. Por outro lado, pelo fato de ser a primeira vez que um Guarani se candidata em São Paulo, esperava o mínimo de apoio necessário do partido, tal como compartilhar experiências para que esse processo fosse algo de parceria e construção. A falta de apoio e a burocracia me fizeram pensar várias vezes em desistir, como por exemplo, em uma movimentação bancária, o movimento da conta é sugerido que seja feito através de cheques e quando fui solicitar ao banco, me disseram que precisaria ter na conta, no mínimo, R$500 reais para poder retirar o talão de cheques, este valor vindo de doações. Dinheiro que nunca tive durante a campanha. Os recursos de minha campanha dependiam de contribuições, como pedir apoio a minha comunidade se mal temos condições de nos sustentarmos? Para me candidatar tive que me afastar da escola e ficar desempregado sem recurso pra sustentar minha família. Isso me fez refletir e entender que posso ter pouco recurso financeiro pra tocar uma vida política partidária, mas tenho um espírito de guerreiro e a coragem pra enfrentar os desafios da vida com meu povo. As dificuldades de meu povo eu sempre senti na pele e luto para que tenhamos dias melhores.”

Para além das questões financeiras, outros fatores significam dificuldades não só para candidatos, mas também para o eleitor indígena de comunidades que incorporam o voto às suas práticas. Tais obstáculos estão relacionados principalmente à sua localização geográfica, o que em muitos casos implica distância em relação as urnas e a dificuldade no acesso a uma Internet de alta qualidade. Chama atenção que também nesse contexto – assim como para outros grupos identitários – se aposte na Internet como meio de visibilização e mobilização.

Equipe responsável pelo conteúdo: Mariana Giorgetti Valente (mariana@internetlab.org.br), Natália Neris (natalia.neris@internetlab.org.br), Juliana Pacetta Ruiz (juliana.ruiz@internetlab.org.br) e Clarice Tambelli (clarice.tambelli@internetlab.org.br).

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